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sábado, 1 de agosto de 2015

Trilogia (sem nexo)

     I

Recomeçar. Era a única hipótese que restava ao velho senhor, que na tarde anterior tudo perdera, resultado daquele incêndio criminoso, que começara na serra mas cujas labaredas, acicatadas pelo vento, desceram em direcção à povoação. Antunes, dono das terras em redor da aldeia, fora o primeiro de muitos a verem as chamas a consumir os frutos do seu trabalho.

Naquela manhã ainda se sentia o cheiro a queimado  e a terra de cor escura, coberta por aquele manto de fuligem, chorava. Choravam todos os habitantes pelos seus pinhais com décadas de existência, eucaliptais quase prontos a serem cortados, olivais onde centenárias árvores produziam a tão valiosa azeitona que depois de esmagada e espremida, trazia a alegria aos olhos dos donos dos lagares e prazeirosos paladares às bocas gulosas dos seus clientes. As novas árvores estavam completamente arruinadas, investimentos perdidos, tão perdidos como as dezenas de cabeças de gado que eram a alegria do velho Antunes. Homem de oitenta anos, magro, pele escurecida pelo sol e que com o astro-rei se levantava todas as manhãs e que com o seu calor invadia os currais, levando a preciosa ração aos seus amigos de quatro patas. Agora, apenas os restos mortais sobravam entre os escombros dos velhos edifícios.

Montado no seu enorme tractor abriu um buraco num canto da propriedade e empurrou tudo lá para dentro. Cobriu tudo com a terra, saiu do veículo e pousou o frágil joelho direito no chão. Fez uma pequena oração, traçou o sinal da cruz na cara, levantou-se e olhando em redor disse a si mesmo que a vida continua e que depositava toda a sua confiança na mãe natureza.

Recomeçar. Era apenas o que restava. Recomeçar.


     II

Prometera a si próprio que a partir daquele momento jamais se deixaria ultrapassar. Por mais difícil que fosse o terreno, tudo faria para deixar para trás todos os obstáculos, mesmo os mais bicudos, tantas vezes intransponíveis.

Ficar para trás resultava na perda de qualidade de vida e acima de tudo o desrespeito dos outros perante a sua existência. Ser encarado uma nulidade fazia vidrar cada uma das suas células, criando a vontade de anular todos os sentimentos contraditórios que em sua volta e em si mesmo cresciam.

Subiu assim ao ponto mais alto e traçou uma rota: chegar ao outro lado, onde um verdejante espaço era a promessa de uma vida melhor. Meteu-se a caminho, pro trilhos mais fáceis, mesmo que significassem voltar um pouco atrás. O terreno húmido, que aparentava ao longe ser um grande desafio, foi facilmente percorrido. Nem as pedras mais aguçadas o fizeram perder o interesse pois voltar atrás seria mais difícil, em diversos aspectos. Já pouco faltava para alcançar a terra prometida e naquela faixa escura deparou-se com a triste realidade, outros, tão corajosos como ele, não tinham porém tido o discernimento necessário para seguir em frente, entregando-se aos prazeres nefastos que lhes tiraria a vida.

Resistiu a todas as tentações, mesmo quando o desespero parecia invadi-lo com uma vontade e força descomunal. Aos poucos percebeu que saíra vitorioso e que à sua frente o prémio lhe sorria. Óscar, um caracol corajoso, que agora tinha à sua disposição um belo campo de verdes e deliciosas alfaces, só para si.

Prometera a si mesmo que a partir daquele momento, engordar era o único objectivo.


     III

Invulgar. Achariam-na invulgar os amigos se imaginassem o que passava na cabeça de Ana. Urbanos, citadinos, metropolitanos. Adjectivos que lhes assentavam como luvas. Para eles o mundo eram as cidades grandes, o movimento constante, o barulho, as luzes das montras e dos outdoors publicitários.

Aquela última semana adicionara mais um rol de pensamentos à alma já algo perturbada. Em especial, aquele telefonema que recebera directamente do reitor da UBI, em que aquele "...quero que venhas dar aulas ..." lhe pareceu uma ordem e não um pedido.

Lembrava-se da casa da avó, a velha casa de granito e chão de tábuas, da lareira sempre acesa, enchendo a humilde morada com fumo de carvalho e azinho. E o velho pátio coberto pela folhagem da cerejeira, cujos brincos vermelhos e doces a faziam subir elos ramos frágeis, pondo o seu avô em cuidados, ordenando àquela maria-rapaz que descesse com cuidado.

Cada memória do passado era comparada com aquele presente que a angustiava. Se por um lado o seu doutoramento era uma mais valia para o cargo que recentemente aceitara na maior universidade da capital, seria também uma oportunidade para uma escola do interior do país. Depois havia todo aquele verde natural, o cheiro da resina dos pinheiros, dos eucaliptos acabados de cortar, das aves, dos animais domésticos que livremente vagueavam pelas estreitas ruas daquelas velhas aldeias, já quase desertas.

Tomou a decisão. Despediu-se dos amigos com o habitual "até um dia". Não imaginara porém, a sua melhor amiga, que aquela despedida teria especial significado, após aquele abraço forte e sincero que Ana lhe acabara de dar.


quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Momentos

Mal entrei em casa atirei-me para o sofá. O dia foi mais complicado do que previra quando acordei na manhã daquele dia. Só me apetecia fechar os olhos, entregar-me à sonolência. No entanto percebi que algo estava errado. Silêncio completo. Um silêncio arrepiante, como se eu estivesse num castelo abandonado e não num apartamento. Olhei em volta e notei que haviam rosas espalhadas pelas prateleiras dos livros, penduradas nos quadros e junto à porta do corredor um montinho de pétalas de diversas cores. Levantei-me e segui o colorido e a fragrância que emanava do chão. Aquele carreirinho levou-me à casa de banho, onde uma banheira com água quente e alguma espuma esperava por mim. Não me fiz rogado, despi-me e entrei naquele banho quase celestial. A espuma tinha o cheiro que eu tanto gosto. Junto à banheira um copo de vinho tinto. Foi então que apareceste e com um sorriso nos lábios entraste na água e sentaste-te junto a mim. Senti a tua pele, o suave toque dos teus lábios roçando os meus. Ficámos ali, em completo silêncio só interrompido por ténues chapinhares, esperando que a água arrefecesse e que tivéssemos que partir para outros prazenteiros momentos.


quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Passatempos

Certo dia meti na cabeça que deveria ser pescador desportivo. Comprei uma cana de pesca numa loja oriental e parti para a aventura. Como não há rio por aqui com peixe optei por ir até ao mar. A tarde estava boa e o oceâno mantinha-se calmo. Pousei os apetrechos, coloquei isco no anzol e atirei-o para a zona de rebentação. Talvez por sorte de iniciante logo à segunda vez pesquei um peixe. Um carapau, que apesar de tentar fugir, foi parar ao balde com água que estava junto a mim. Voltei a lançar a linha, sentei-me e puz-me a apreciar o belo carapau.

Aquele peixão fitou-me com muito interesse. A certa altura assobiou-me e olhei para dentro do balde. «Ainda bem que olhaste, aqui sinto-me sozinho.» - disse o carapau - «Se quiseres conto-te uma história do sítio de onde eu venho.». Concordei e escutei-o com atenção.

«O meu mar é imenso e tem muita vida. Tanta que o homem nem sequer conhece uma ínfima parte do que lá existe. Conheci em tempos duas Cirrhitichthys falco, que vocês aqui na terra conhecem por peixe-falcão. Eram a Ada e a Eva e eram amigas desde a altura em que saíram das ovas de onde se desenvolveram. Eram inseparáveis, onde estivesse a Ada não muito longe estaria a Eva. Metiam-se em tantas confusões, que Neptuno, o Deus que manda nos oceânos, já nem dava grande importância.

Ada gostava de cantar e tinha uma das mais bonitas vozes do mar, até as sereias tinham inveja. Já Eva era mais dada a corridas, havia quem lhe chamasse até “carapau de corrida”. As duas juntas formavam assim o par mais desconcertante. Simpáticas com todos, amadas pelos mais chegados.

Acontece que naquela espécie quando o número de fêmeas é muito maior do que os machos podem controlar, há necessidade de uma delas mudar de sexo. Neptuno escolhe quem passa a ser macho, quem se tem que sacrificar para o bem da espécie. O chefe optou por Eva, que ao contrário do que seria de esperar, ficou muito desgostosa. Não se estava a ver com o nome de Ivo, ainda menos a controlar um harém de fêmeas tresloucadas. Mais preocupante ainda era a terrível separação de Ada, que ficaria no clã do outro macho reprodutor.

Eva decidiu ir falar com Neptuno. Não haveria outra fêmea que estivesse mais interessada em se entregar por tão grande honra? Neptuno não é Deus de se deixar ir por sentimentalismos e informou-a logo que a única hipótese era ser Ada a escolhida. De qualquer das formas as duas jamais poderiam continuar a ser amigas.

Chegou o dia da transformação e Eva lá compareceu perante Neptuno. Este, num momento raro de pura generosidade e sentindo pena de Eva, decidiu então quebrar as suas regras e fazer um acordo final com Eva: dar-lhe-ia mais um dia de fêmea com a condição que o utilizasse para fazer o que lhe dava mais prazer.

Eva pulou de alegria e sabia bem como passar o dia que Neptuno lhe dava. Correu em direcção ao sítio onde Ada estava, cabisbaixa, chorando pela amiga que nunca mais veria. Eva abraçou-a e explicou à amiga que tinham mais um dia juntas. Foi o dia mais bem aproveitado de ambas, fizeram de tudo o que mais gostavam. No final do dia, Eva, chegou perto da sua amiga, beijou-a e disse-lhe que a amava e que gostaria de ficar o resto de sua vida junto da sua mais querida amiga. Porém Neptuno tinha-lhe destinado uma vida completamente diferente. Ada despediu-se da amiga e Eva partiu em direcção ao seu destino.

Por ironia do destino o macho reprodutor que tinha o harém demasiado grande fora entretanto apanhado na rede de um arrastão espanhol e Neptuno viu-se na necessidade de transformar duas fêmeas para ocuparem os dois haréns. Eva passou a Ivo e Ada foi a outra escolhida, passando a chamar-se Edu.

Algum tempo depois Ivo e Edu encontraram-se por acaso no mar e ficaram estupefactos a olharem-se mutuamente. Tornaram-se bons amigos e de quando em vez ainda se encontram para partilharem as suas aventuras.»

Olhei o carapau e pensei cá para mim que o peixe só me quis enganar, mas tive de concordar que a história era até bem interessante. Decidi então dar-lhe mais uma oportunidade e soltá-lo, deixando-o partir em paz. A velocidade com que o perdi de vista fez-me crêr que tinha soltado um verdadeiro carapau de corrida.

domingo, 15 de setembro de 2013

A cadeira



Foi nesta cadeira que me sentei, à espera que voltasses de mais uma viagem ao outro lado do mundo. Penso seriamente quais serão as minhas primeiras palavras, depois de tanto tempo de ausência. Sei que a tua partida foi rápida e que trocámos palavras pouco simpáticas.

É nesta cadeira que recordo todos os bons momentos que juntos passámos: oa passeios na praia; as subidas à serra; os almoços, lanches e jantares nos locais mais interessantes; as noites, tantas vezes mal dormidas. Recordo os maus momentos, especialmente as discussões por coisa alguma, sem nexo, desprovidas de sentimento. Quanto tempo passámos sem nos falar, mesmo quando cruzámos os mesmos corredores, os mesmos espaços.

Esta cadeira serve de memória para todas as emoções que vivemos. As pernas são como os nossos alicerces e precisam de cuidados regulares. Os braços são apoio para todos os sentimentos vividos. As costas, qual espinha dorsal do nosso viver.

Não se trata de uma simples cadeira. Nela me encontrarás assim que entres em casa. Dela me levantarei e direi que te perdoo se também me perdoares. E selaremos esse momento de paz daquela maneira de que tanto gostamos.


quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Escritos

Não perguntes o que desejei para esta época, pois tu, mais que ninguém, sabes quais foram as minhas preces. Os dias passaram e de dentro de todo o nevoeiro nada mais saiu que gotas de água. Desejei que tudo acabasse rapidamente. Pedi aos céus que tornassem esta espera num resultado final.

Aqui fiquei, esperando as boas novas. Esperando a missiva que explicasse o deserto que sentia à minha volta. Aquela música melancólica teria assim, ao ritmo dos meus desejos, uma letra... talvez só ouvida pelo meu interior. Para os outros o silêncio completo. Porque eles não entendem. Porque eu não entendo.

Desejei que todo o tempo fosse consumido, como se se tratasse de combustível. Pedi que a luz me abandonasse e que o escuro envolvesse o nosso mundo. Oh tristeza tamanha... oh infortúnio... oh desgraça das desgraças.

E quando me dizem que é altura de avançar, de viver uma outra história, eu fujo. Sim fujo, daquelas infames vozes, dos sons que povoam todas as células da minha memória, que me embriagam e me levam ao terror que é viver sem ti.

Volta eu te perdoo, volta.

Volata que apagarei todos os maus momentos, todos os terríveis pensamentos... volta. Porque só tu me completas. Porque és tu a fonte da vida, a razão que me faz avançar em direcção ao precipício. Esse precipício onde só nós iremos ser felizes.

Vamos terminar esta história juntos. Vamos mostrar ao mundo que há muito para viver. E só assim poderemos cair no esquecimento. Memórias apagadas. Memórias mortas. Memórias jamais recordadas. Será o nosso mundo... só nosso.

(algures junto ao mar, 26-XII-2012)


domingo, 12 de agosto de 2012

Escritos

O dia começou aparentemente como outro qualquer. Como se fosse possível os dias serem sempre iguais. Uns tímidos raios de luz entravam pelas persianas semi-abertas. O quarto iluminado parecia até maior naquela manhã.


De olhos semi-cerrados, tentei acordar totalmente e abri-los, mas a luz, mesmo tímida, não queria que eu saísse daquele estado. Lá me esforcei um pouco mais e venci a vontade contrária.

A minha posição na cama, deixara-me algo desconfortável. De barriga para cima, tronco destapado e o lençol quase vincado mais abaixo. Ainda por cima centrado na cama?

Olhei em redor e o quarto estava diferente. Quadros novos. Nova pintura na parede do fundo, onde antes, túlipas e orquídeas decalcadas, alegravam o espaço. E na mesinha faltavam as flores, apanhadas diariamente no jardim. O tabuleiro, o usual tabuleiro do café da manhã era mais uma peça ausente. E pela janela não entrava o som dos pássaros que pousavam habitualmente na varanda.


Foi então que me lembrei que aquele não era o meu quarto. Que os lençóis não tinham o cheiro habitual. Que a cama era maior que a minha.

Raios, esqueci que estou de férias e este é apenas um simples quarto de hotel.


PS: na realidade ainda não estou de férias, mas seria uma boa forma de gozá-las... diferentemente...


segunda-feira, 23 de julho de 2012

Longe

Habituei-me a ver-te ao longe. Talvez receando o nosso encontro, talvez achando que não combinamos. Minto a mim próprio. E ao longe contínuo a ver os outros irem ao teu encontro, envolvendo-se em ti e tu a corresponderes. Volto uma vez mais para trás, escondendo-me.

Sinto saudades tuas quando permaneço longe. Nesses dias, sinto uma vontade enorme de perder a vergonha e ir ao teu encontro. Sentir-te nos meus braços e o teu cheiro peculiar. E que me sintas de igual modo.

Uma vez mais não tive coragem e fiquei de fora, a ver os outros. Imagino quantos gostarão de ti e invejo-os profundamente. Principalmente aqueles que não te receiam, mesmo nos dias em que te encontras mal disposto.

Não sei viver sem ti e no entanto mal nos conhecemos. Mas virá o dia, que ultrapassarei todos os meus receios e vergonhas. E talvez possamos, finalmente, ser felizes.

Adoro-te mar.


terça-feira, 3 de julho de 2012




falta
 s. f.

- Puseste a escova de dentes?
- Não... vou buscar.
- E o pente?
- Pois, aproveito a viagem à casa-de-banho.
- Os comprimidos para o enjôo, onde estão?
- Acho que no armário da cozinha... ainda...
- Vai lá buscar, que enjoas sempre na viagem. E o passaporte e restantes documentos?
- Xiii... já me esquecia.
- Ai cabeça. E as chaves da casa?
- Estão algures, acho eu.
- Quando é que pensas em fazer uma lista?!
- Na próxima viagem. Ajudas-me?

----- // ----- // -----

- Escova de dentes? Está. Pente? Também. Comprimidos? Uma caixa completa. Passaporte? Com foto nova. Chaves? Estão na porta. Lista verificada, tudo no sítio. Se bem que acho que há algo em falta... pois, esqueci-me... faltas tu.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

ausência 

s. f.


Os meus lençóis têm saudades de ti. O teu cheiro, antes tão bem entranhado entre os fios do tecido, já quase não se sente, resultados das lavagens constantes.
A almofada, aquela onde pousavas a cabeça, já não apresenta o feitio da tua cara nela impressa.
A tua metade do colchão está vazia.Sinto falta de encontrar os teus lábios quando me virava na cama. Também os meus lábios sentem saudade dos teus. Daqueles maravilhosos momentos, húmidos, carnudos, sensuais.
Os meus cabelos já não sentem os teus dedos. Adormecia com eles a dedilharem o meu couro cabeludo. E quando acordava mais cedo, retribuía as carícias, até despertares do teu estado de ilusão.
Minhas pernas já não se entrelaçam nas tuas. Agora só encontro espaço vazio. Meus braços já não te prendem e já não te acariciam minhas mãos.
Tudo está diferente, só eu permaneço o mesmo. Aqui, só, sonhando com uma volta que não acontecerá.
Os meus lençóis têm saudades de ti... e eu aqui.

01-07-2012

sábado, 30 de junho de 2012

Contos inacabados

Saí cedo do trabalho e voei para casa;

Quero ter tudo pronto para quando chegares.

Distribuí as velas de cheiro e as flores trazidas do mercado,

Coloquei a toalha de mesa nova,

O novo conjunto de louça,

Aqueles copos que não querias que eu comprasse,

Mas que tanto adoras.

Na cozinha preparei um jantar dos Deuses;

O teu prato preferido, com as ervas certas, com os cheiros correctos.

Abri aquele vinho especial, que foi oferecido no Natal.

Agora é tempo de tratar de mim;

Para começar um banho, quero deixar na água o dia.

Quero passar para a noite completamente refrescado,

Só para ti.

Vesti aquela roupa que me esconde,

Mas que deixa adivinhar tanto… tu sabes.

Passei aquela fragrância, que utilizo em ocasiões especiais;

Sim, esta é muito especial.

Com tudo preparado, acendi as velas e esperei por ti.

Ouvi um carro a chegar, as dobradiças do portão do jardim a rangerem,

A chave a rodar os trincos da fechadura… e eis que te vi.

Cansado me parecias, mas ficaste espantado quando me viste,

Com todo aquele aparato na sala… ficaste em silêncio.

Levantei-me e fui até à tua boca, toquei os teus lábios com os meus.

Disse-te para te livrares do dia e colocares a roupa que estava em cima da
cama à tua espera.

Fui buscar o vinho e servi-o para nós dois.

Não demoraste muito, ainda bem; muito se há-de passar esta noite.

Estavas diferente, muito mais interessante, com aquele sorriso que me derrete.

Vieste até mim, pegaste no copo e elevaste-o até à tua boca.

Beijaste-me, deixaste sentir o sabor inconfundível daquele vinho alentejano,

Já me deixas louco… não, não partas já para o meu pescoço…

A noite ainda está para começar… há tempo.

Durante todo o jantar os teus olhos não saíram de cima de mim,

A cada garfada senti o teu desejo, cada gole de vinho, a tua volúpia.

Nem me deixaste levantar a mesa,

Puxaste-me para o sofá, apagaste o candeeiro de pé e deixaste que a sala
fosse iluminada unicamente pelas velas;

Senti-me único… sentimo-nos únicos.

Pousei a cabeça no teu colo e beijaste-me… adoro o gosto dos teus lábios, o
carinho da tua língua.


(...)

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Projectos inacabados: Escritos

Felicidade saíra daquele lar à bastante tempo. Lar... chamar de lar àquela edificação seria possivelmente errado. Nunca se pôde considerar um verdadeiro lar. O calor não morava naquele espaço fechado. Nem sequer o sol jamais conseguiu aquecer o ar que era respirado. Tristeza instalara-se em definitivo. Tudo parecia ter perdido a razão de existir. As flores não emanavam qualquer odor. Os móveis perdiam a cor, o brilho.  As portas emperravam e as janelas custavam a abrir.

Teria que ser feito alguma coisa o mais rápido possível. Havia necessidade de salvar o pouco que existia ou cairia em total esquecimento. Não bastava uma limpeza, uma nova pintura. Era preciso ar fresco, ar novo e quem lá ainda morava, perdia as forças a cada dia que passava.

Cada passo dado pela rua só faziam o tempo passar. O dia a dia era apenas ocupado com as presas da vida moderna. Já nem o emprego era suficientemente satisfatório. Era apenas mais uma rotina, com problemas resolvidos quantas vezes sem conta, sempre da mesma maneira. os colegas eram sombra. Simples "bom dia" e "até amanhã" eram balbuciados. Todos desconhecidos. Todas vidas modernas.

Ao fim de cada dia, o mesmo percurso de volta. Os mesmos lugares estáticos, com vidas próprias, só aproveitadas por alguns. No rádio do carro, as músicas usuais, os cantores usuais, as notícias curriqueiras. E a entrada da casa, sempre igual... seca.

(um dia acabo)
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São 6:45H. Estou a ouvir: