Este blogue tem conteúdo adulto. Quem quiser continuar é risco próprio; quem não quiser ler as parvoíces que aqui estão patentes, só tem uma solução.

domingo, 29 de setembro de 2013

Autárquicas 2013

O administrador deste blogue já cumpriu o seu dever cívico.



E tu? do que estás à espera?


terça-feira, 24 de setembro de 2013

textos inacabados (1)

Era minha intenção parar de escrever por uns dias mas o "bichinho" não me deixa em paz. Inauguro aqui uma série de textos que ficarão inacabados, possivelmente para sempre. Um amigo diz-me que serei um escritor famoso por não terminar o que começo. Tem sido assim em muitos momentos da minha vida, mas isso é outra conversa.

Aproveitando a época eleitoral actual comecei a escrever uma história com a campanha como tema de fundo. Os nomes das personagens escolhidas vieram à cabeça com naturalidade, por isso não devem ser confundidas com possíveis conhecimentos que eu tenha. Gosto dos nomes e pronto.



Apenas mais um dia de campanha eleitoral numa movimentada rua da cidade. Uma multidão seguia o candidato, cabeça de lista para o principal órgão executivo da região. Marco, um jovem de apenas 22 anos, encontrava-se no meio da confusão. Uma bandeira na mão esquerda, na outra um megafone, a mandar palavras de ordem, de apoio. Os seus cabelos, orgulho daquele rapaz de pele bronzeada, resultado de um verão passado na praia, esvoaçavam com a brisa que se fazia sentir, naquela tarde praticamente outonal.

Apertos de mão, abraços, conversas, promessas certamente faltas. Tudo normal para uma campanha eleitoral em que a imagem se torna cada vez mais importante, deixando para trás as qualidades que realmente interessam para o posto que será ocupado. E Marco apoiava tudo aquilo. Não por ser igual mas por querer ser diferente. Sonhador dizem alguns; força de vontade em querer mudar, dizia para si próprio o rapaz, que quase rouco, seguia o cortejo, quantas vezes arrastado, quase no ar.

Uma rua mais larga surgiu de repente. A multidão espalhou-se e Marco pôde finalmente tocar com os pés no chão. Decidiu parar um pouco para recuperar o fôlego e sentou-se na primeira esplanada que encontrou.

“Uma água fresca faz favor”, pediu Marco ao empregado que rapidamente chegara à mesa. A garrafa de litro e meio depressa veio parar à sua beira. Pensou para si que era um exagero, mas a verdade é que num ápice virou três copos quase a entornarem. Sabia-lhe bem a frescura naquela tarde ainda quente. Olhou em volta e deu-se conta de que a multidão tinha dispersado quase na totalidade. Talvez tivessem ido em busca de sombras ou simplesmente invadido os cafés instalados em redor. O candidato meteu-se pelo centro comercial da esquina e Marco ficou para trás. Nem se preocupou com a campanha, afinal estava ali tão bem naquela sombra. “Amanhã há mais”, disse baixinho.

“Desculpe, pode-me dizer onde fica esta rua?”. Marco virou-se para a direita em busca da boca por onde saiu aquela pergunta, Junto de sim, um rapaz aparentando a mesma idade, olhava-o com um papel na mão, esperando uma resposta. Notava-se o aspecto de turista pois as roupas frescas, mochila, óculos escuros e uma ténue mancha de suor assim o comprovavam. Marco tentou explicar mas atrapalhou-se e perdeu-se nas indicações. “Olhe o melhor é eu levá-lo até lá ou ainda se perde, já que vou para aquela zona também”, prontificou-se Marco.

A malha urbana era realmente demasiado complicada de se explicar. Marco meteu por aquelas ruas que conhecia, talvez querendo até mostrar o seu lado de guia turístico ao rapaz que a seu lado ía, atento às explicações que lhe eram dadas sobre alguns edifícios. Chamava-se Chico e estava a descobrir a cidade. Preferia o final do verão, antes de começar as aulas na faculdade, onde estudava arte e design.


“Olha, eu também estudo lá”, disse Marco. “Eu sei... já te vi por lá”, respondeu Chico com um sorriso nos lábios e tirando os óculos de sol, mostrando os lindos olhos que por trás deles se escondiam. “A verdade é que conheço bem a cidade, mas foi um pretexto que encontrei para falar contigo”. Marco ficou espantado...


segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Momentos musicais

Depois dos testamentos literários que tenho andado aqui a descarregar é altura de voltar a momentos mais culturais. A escolha caiu em António Zambujo, cuja voz me acalma.


Descobri recentemente um outro cantor que me era totalmente desconhecido, talvez por estar um pouco fora dos mercados musicais com que somos constantemente inundados. Falo de JP Simões.


E já agora recordar José Mário Branco. para podermos apreciar o presente nunca podemos esquecer o passado. Principalmente quando o passado é tão presente.






domingo, 22 de setembro de 2013

O final prometido

Chegou a hora de terminar um conto que escrevi recentemente e que já tinha publicado as seis partes iniciais, faltando unicamente duas. Republiquei todo o texto para dar algum nexo ao que faltava publicar. Peço perdão pelo "testamento" que vos deixo, mas podem sempre ler apenas o que vos interessar.



     Capítulo 1 – O avião

Tardiamente percebi que a tua ausência seria motivo suficiente para enlouquecer. Naquela manhã acordei e percebi que não estavas comigo. Que tonto fui. Podia ter largado tudo e com medo quiçá de mim próprio, deixei-te partir. Tomei um garrafão de coragem, enchi uma pequena mala de roupa e saí de casa. O banco estava apinhado naquela manhã. Dia de pagamento das reformas. Levantei quase todas as minhas economias deixando o gerente daquela dependência bancária de boca aberta. Já me conhecia há muitos anos e sabia o quão sovina eu sempre fora. Teria enlouquecido?

O trânsito estava anormalmente lento. E eu, que queria chegar rápido ao aeroporto, desesperava, cada vez que o taxista pisava o pedal dos travões. Praguejava para mim mesmo, ao contrário do motorista que, com a sua rudez, se esquecia constantemente que eu estava já ali atrás.

Entrei apressado por aquele espaço, que embora não me fosse desconhecido era a catedral da confusão. Apressei-me para a bilheteira e adquiri o tal bilhete de avião. Estava já à porta de embarque quando me lembrei que nunca tinha tirado os pés do chão. Queria voltar atrás. Afinal se Deus quisesse que eu voasse tinha-me mandado à terra como pássaro. Venci o meu medo pensando na razão que me tinha levado até ali, estiquei o peito e mesmo nervoso, disse para mim mesmo que o medo é coisa que não me assiste (onde é que eu já li isto?!).

Todo eu tremia, agarrado com todas as minhas forças ao banco. Quem me dera que aquele banco tivesse mais cintos, um só parecia-me pouco. Desejei que aquele voo fosse como aqueles que se vêm nos filmes de ficção científica, em que se adormece numa cápsula e só se acorda no destino. «É a primeira vez que voa?», perguntou-me a senhora que estava a meu lado. Com alguma dificuldade abri os olhos e visualizei aquela senhora idosa toda vestida de preto e branco. À primeira vista parecia um pinguim mas era apenas uma carinhosa freira. Pousou a sua engelhada mão sobre a minha e disse «Deus está connosco e nada de mal acontecerá!».

Afinal aquilo lá em cima não era o que eu pensava. Fitei um ponto no banco da frente e assim me mantive algum tempo. Uma voz doce saiu das colunas a avisar que teríamos que voltar a colocar os cintos. Voltar?! Eu nem sequer o tinha tirado ainda. Livra. Sentiu-se turbulência e fechei de novo os olhos. Todo o aparelho tremia e eu agarrava-me com todas as forças, quase fixando os meus joelhos ao banco da frente.

     Capítulo 2 – A porta

Quando voltei a abrir os olhos não vi ninguém. Mantinha-me no meu lugar mas a meu lado já não estava a freira e o avião parecia estar parado. Não se ouviam as turbinas e dentro do espaço havia uma espécie de nevoeiro. Uma voz doce. «Então vai ficar aí por muito tempo? Os outros já sairam». Virei a cabeça e vi talvez o rapaz mais bonito com quem já me tinha cruzado. Cabelos louros, ouro puro. Olhos azuis, profundos. Lábios rosados, carnudos. Nariz na proporção correcta, um sonho. Bata branca, imaculadamente lavada. «Já parámos?», perguntei. Aquela linda cabeça acenou. «Estamos à tua espera lá fora. Vem comigo».

Levantei-me surpreendentemente devagar. Afinal desde a altura que entrei naquere aparelho diabólico, que desejava sair o mais rápido possível. Cheguei à porta, não havia escada. «Mas como raios vou eu sair daqui? Onde está a escada?». Aquele jovem lindíssimo olhou para mim, pegou a minha mão e avançámos para o abismo. Contrariamente ao que eu esperava flutuámos suavemente até atingirmos um tapete tão imaculadamente branco como a bata e as asas do meu “transporte”. «Asas?! Mas afinal onde é que eu estou?!»

A paz invadiu todo o meu corpo. Quando abri os olhos quase gritei. Afinal era apenas a velha freira que me olhava de cima. «Então meu filho, que se passa?». «Onde é que estamos?». «No céu meu filho, no céu.». «No céu? Então não era suposto já estarmos no chão?!».

«Meus senhores, para quem ainda não tenha percebido, estão todos mortos. Isto é o céu e daqui a pouco chegará o transporte que os levará ao portão número 1. Para quem não saiba, o portão número 1 é guardado por S. Pedro. Tenham cuidado que nem sempre está de bom humor. Pudera... é dono de meio mundo lá na terra e está por aqui preso a guardar o portão do paraíso». Aquela voz rofenha, claramente de quem já fazia esta apresentação fazia alguns séculos, dava todas as indicações. «Crianças vão à frente e depois as mulheres. Os homens esperam e se não houverem lugares vão de pé.» Olhem, no céu também existem problemas com os transportes públicos. Será por causa da Troika?!

     Capítulo 3 – Espera

S. Pedro parecia visivelmente cansado quando me apresentei. Nem consegui dizer o meu nome pois interrompeu-me na hora. «Sei bem quem és! Está tudo escrito aqui no livro da vida e da morte.» Fitou-me. «Ora vamos a ver... filho de fulano e beltroa... católico... menos mau... solteiro... meia dúzia de pecados menores... umas multas de trânsito que já não serão pagas... parece que o banco perdeu um cliente... ficaste a dever no restaurante no Manuel?!» Corei. «Logo do Manuel? Um dos nossos bons fornecedores... que o meu patrão o perdoe.»

A sala estava bem decorada. S. Pedro mantinha-se junto a um velho computador resmugando. O software estava um pouco desactualizado e a velocidade da máquina deixava muito a desejar. Os dados pareciam estar correctos mas o cálculo não estava correcto. Constantemente aparecia uma mensagem, dando conta de um erro. «Raios para esta tecnologia. Onde é que eu guardei o manual de instruções?! Ah, está aqui junto à Biblia.» S. Pedro abriu um pequeno volume de papel já amarelecido e procurou no índice a página dos erros. Ajeitou os óculos e olhou para mim por cima das lentes. Pegou noutro volume, desta vez de capa lilás, folheou-o, leu o que estava escrito e disse «Oh meu Deus... mais um?!»

O corredor parecia não ter fim. Quadros decoravam as paredes. Paredes?! Na realidade pareciam pairar no ar. Molduras de vários estilos envolviam pinturas antigas. De quando em vez apareciam uns esgatafunhos. Aproximei-me de um quadro e por baixo estrava escrito “Picasso – 2013”. Parámos. A fila era grande, quase não se via o início. O anjo mandou-me esperar.

Mais uma sala, mas desta vez a decoração era deplorável. Bancos corridos dispunham-se ao longo do espaço. Centenas de almas estavam sentadas à espera. Sentei-me junto a um velho de cabelos brancos, que me tirou todas as medidas num ápice. «Acabaste de chegar né?» perguntou-me. Respondi afirmativamente. «Não te preocupes, daqui a uma eternidade vais ser atendido.»

     Capítulo 4 - Reclamação

Acho que não aqueci lugar pois fui chamado de imediato. «Terceiro gabinete à esquerda.» Disse-me um rapaz bem apessoado. Segui, entrei no tal gabinete e sentei-me. O assento estava frio, mármore. Na secretária, de carvalho velho, um homem, de cabeça virada para os papéis, resmungava. Parece que no céu estão todos mal humorados. Ao que parece, pelo que me disse o velho, as contigências financeiras obrigaram a autentar o número de horas de trabalho. Até os arcanjos já pensavam em fazer greve. «Sabe porque está à minha frente?» perguntou-me. Acenei a cabeça negativamente. «Está aqui porque o raio do software do cálculo do coeficiente de entrada no céu deu erro de novo. E quando dá erro mandam sempre aqui para o velho Joseph Ratzinger. Raios de sorte a minha. Tanto que eu lutei em vida e agora isto.»

«Nos termos da adenda ao artigo 6969 do regulamento de acesso às portas do paraíso, que muito foi contestado mas que o patrão foi resolutivo, todos os homossexuais têm o direito de se arrependerem. Por isso tem uma de duas opções: ou se arrepende imediatamente ou ficará na sala à espera que se arrependa.»

Já esperava há uma eternidade quando me lembrei que sendo a burocracia do céu tão parecida com a da terra, decerto haveria uma solução para o meu problema. Lembrei-me então de ir até ao guichet e pedir o livro de reclamações. Um trovão iluminou o tecto e todos olharam em minha direcção. O homem, de olhos esbugalhados, abriu a boca. Quase dava para lhe ver o estômago. «Livro de reclamações?!».

Indicaram-me uma sala de porta verde. Não a consegui abrir à primeira, de tão enferrujada que estava. Talvez fizesse muito tempo que não era aberta. Pelo menos estava limpa. Um banco iluminado, de tecido felpudo, esperava por mim. Sentei-me e como por magia, apareceu uma secretária, uma caneta e uma folha de papel.

Assim que pousei a caneta no papel para escrever a minha reclamação, um novo trovão entoou pelo espaço. Desta vez o susto foi ainda maior. E do meio de uma nuvem apareceu um homem de toga branca debruada por uma renda azul celeste. «Com que então não estás satisfeito com as regras da casa?!»

     Capítulo 5 – Regulamento

O jardim era mais maravilhoso do que tudo o que já vira anteriormente. Árvores enormes formavam um claustro, rodeando um lago com água tão clara que se viam os peixes e as pedras lá dentro. Quando nos aproximámos daquele espelho um peixe veio à superfície, como que a cumprimentar o homem de toga. Aves esvoaçavam pelo ar. Pássaros de mil e uma cores, brilhantes. Sentámo-nos sobre uma pedra e conversámos.

«Quando escrevi o regulamento de acesso às portas do paraíso tudo era mais fácil», explicou-me Deus. «Não havia confusão porque quase não haviam pessoas. Com o passar dos séculos o caso mudou de figura. Para começar os homens tornaram-se fúteis, interesseiros, desordeiros. Não cumpriam as regras que lhes impunha». Olhei-o. «Mas não é suposto o homem gozar do livre arbitrio?!». «Sim, era essa a ideia inicial. Pelo menos pensava eu que era, mas mudou muito o ser humano. Então tive que ir mudando as regras, tentando adaptar o regulamento à realidade. Durante muitos séculos não foram necessárias grandes mudanças mas ultimamente a coisa pia de outra forma.». «Então e porque é que nós somos diferentes? Não merecemos o teu amor de igual forma?», perguntei. Deus levantou-se, espreguiçou-se e voltou a sentar-se. «Qualquer pai deve amar os seus filhos, independentemente dos disparates que façam ou dos caminhos que tomem. E eu não sou diferente. O problema é que até o paraíso se tornou político.». Achei a expressão estranha. «Os anjos e os arcanjos passaram a ter opiniões diferentes e os santos vieram colocar ainda mais questões. Vê o caso de Pedro. Tem dias que ninguém o consegue aturar. É a velhice, dizem alguns... mas eu acho que é mesmo casmurro. Se calhar é defeito de ter sido pescador.». Mandou uma gargalhada sonora que até um unicórnio se assustou. «E não era dos melhores até eu o ter ajudado a pescar com fartura.»


«Então quer dizer que tens um regulamento mas não concordas com ele. Parece-me um pouco estranho, uma vez que és o criador de tudo.». Deus fitou-me. «Pois. A realidade é que aqui no céu apesar de eu governar como todo poderoso não sou nenhum ditador. Já foi o tempo em que eu tinha que decidir tudo. Um dia decidi que devia partilhar a responsabilidade. Numa visita à terra, encontrei uma rapariga bonita e perdi-me de amores por ela. Ora como era minha intensão partilhar o governo do céu, qual a melhor solução além de encontrar um herdeiro? E assim nasceu Jesus, o meu filho e herdeiro.»

     Capítulo 6 – Patrão

Perdia-se de vista a mesa onde tomávamos chá. Deus no topo, que confessou ter uma predilecção especial por pastéis de nata, tinha à sua frente o que deveriam ser pelos meus cálculos, cerca de duas dúzias de tal iguaria. Eu não tinha fome e fiquei-me pelo delicioso chá de uma mistura de ervas, mantida em segredo, resultado de séculos de experiências do arcanjo Gabriel. Continuei a conversa. «Mas Deus e que faz Jesus afinal?». «Olha meu filho, actualmente substitui-me nas minhas visitas a todos os mundos que criei. A minha idade tem-me obrigado a ficar um pouco mais pelo paraíso. A minha idade e S. Lucas com as suas manias de médico. Vê lá que agora inventou que me devo tornar vegetariano.» Nova gargalhada entoou pelo espaço, assustando desta vez um par de pombas brancas que estavam pousadas num candeeiro de pé alto, junto a um velho telefone de manivela. «E Jesus não é um filho obediente?», inquiri. «Olha, é como o tempo: uns dias bons, outros maus. Mas também tem boas qualidades. Foi ele o responsável pela informatização do paraíso. Organizou a biblioteca e criou uma aplicação que pondera as boas acções e as más, para avaliar a entrada no paraíso.». Sorri. «Ou seja, aquela aplicação que S. Pedro tando desgosta.». «Efectivamente. Mas a verdade é que o Pedro agora até tem mais tempo para fazer outras coisas, como pintar, que é uma grande paixão.»

«Uma coisa me deixa intrigado. Como é que o paraíso tem tanto espaço para todos os que já morreram ao longo nos milénios?». «Ainda bem que me fazes essa pergunta, meu filho. Na realidade o paraíso não é interminável e por vezes há a necessidade de enviar alguns lá para a cave, que é o nome carinhoso que aqui damos ao inferno. É claro que a aplicação informática tem dado uma boa ajuda e aqui só para nós tem dado bastante resultado. Uma outra solução é mandar de quando em vez as almas de novo para a terra.». Olhei-o. «Reencarnação? Existe?!». «Claro que existe meu rapaz e é uma das minhas maiores criações. Assim vou-me livrando dos excedentes e dou segundas oportunidades a quem mais merece. Algumas almas precisam de viver várias vezes para que a entrada no paraíso não seja posta em causa.». «Tal como a minha está a ser?», perguntei.

«Meu filho, o teu caso é especial. Quando atribui o livre arbitrio ao homem sempre pensei que ele não o usasse para usurpar a natureza. Esqueci porém que a natureza por si só é mutante, ganhou vontade própria. Então decidi não me preocupar muito com o assunto pois acredito que o amor é a par da amizade, o mais importante sentimento que existe.». «Então porque é que o meu caso é especial?». «Acontece que com a criação das religiões na terra, os membros criaram regras próprias. Umas formam-me atribuídas por tradição e outras por subversão. Ora, muitos desses legisladores quando chegaram cá acima, quase reviraram a casa. Para haver harmonia debaixo do meu tecto lá tive que ceder em alguns assuntos. Daí ter criado algumas adendas ao regulamento. Se por um lado os calei, por outro fiz ver que quem tem a última palavra acabo por ser sempre eu.»

     Capítulo 7 – Paraíso

Deus não mora no Paraíso  Prefere ficar “fora de portas”. Diz que assim tem mais descanso e concentra-se melhor, algo que não acontece lá dentro devido às maravilhas que criou . Maravilhas que eu só podia imaginar. Mesmo assim todo aquele espaço exterior era deslumbrante. Os pequenos oásis rodeados de árvores e relva tão espantosamente verde. Ali habitavam além do Criador, o seu filho Jesus, S. Pedro e todo o restante staff. Haviam porém alguns que morando dentro do paraíso, exerciam actividades do lado de fora. Era o caso de alguns anjos e as ajudantes femininas do palácio real.


A nossa conversa porém tinha alcançado um impasse. Os nossos pontos de vista pareciam estar algo distantes. «Mas Deus, porque é que devo arrepender-me de algo que me fez tão feliz na terra? Não é isso que tu queres? Que sejamos plenamente felizes?». «Meu filho, como já te expliquei, aqui também tenho que ceder um pouco nas minhas convicções, mais não seja de forma aparente. Se eu for totalmente a favor, os mais ortodoxos não me largam e se eu for contra os progressistas dão-me cabo do juizo. Assim encontrei um meio termo, obrigo as almas a arrependerem-se da vida que levavam na terra e assim ficam todos mais ou menos satisfeitos.». «Mas isso não é justo para mim nem para todos os que atrás virão. Nem sequer para os que já estão à tanto tempo à espera naquela sala sem fim.», argumentei. «Como vocês dizem lá não terra “Roma e Pavia não se fizeram em um dia”, logo há que esperar.». Olhei-o indignado. «Esperar o quê? Que mudes de opinião ou que alguém se canse de esperar e contra todas as suas próprias convicções se arrependa do mal que nunca fez?». Deus encolheu os ombros e seguiu em frente.




     Capítulo 8 - Tribunal

A sessão do tribunal começou com a apresentação do caso perante o colectivo de juízes, presidido pelo filho de Deus, Jesus. Acompanhavam-no São Paulo à direita e Santo António do lodo oposto. A minha defesa era um anjo com pouca experiência. A acusação, um velho e batido anjo, que só ainda não tinha sido promovido a arcanjo devido à sua suposta amizade com o "morador lá de baixo", mais conhecido por Lúcifer.

O julgamento era apenas uma fachada, tal como Deus já me tinha avisado. Eu, o réu, há muito que estava condenado. Praticamente desde o dia que cheguei às portas do Paraíso. Homossexuais ou pedem perdão e renunciam à sua infame natureza ou irão pura e simplesmente ter à "cave".

O veredicto não foi assim qualquer surpresa. Por não me ter arrependido, só restava um alçapão cuja abertura me levaria numa abrupta viagem até ao Inferno. Recurso estava fora de questão e Deus avisara-me antecipadamente que só interferia com a decisão do tribunal em casos muito especiais. Claramente o meu não era, apesar de raro.

Tinha sido Deus a criar o céu e a terra, os planetas, as estrelas, o Paraíso e o caminho para o andar de baixo. Reservou-me porém uma pequena surpresa, prova da simpatia que cultivava por mim. O túnel da descida tinha num ponto bem localizado uma bifurcação secreta, uma espécie de saída que o Criador tinha inventado. Avisou-me que não deveria contar a ninguém, pois não queria confusões desnecessárias com os altos magistrados do Paraíso.

Despedi-me. "Pode ser que no teu regresso haja mais abertura para o teu caso" sussurrou-me ao ouvido, seguido de um sorriso e um piscar de olho. O alçapão abriu-se de repente e lá fui eu por ali abaixo. Tal como planeado, a bifurcação secreta estava já aberta, à minha espera. Caí desamparado por meio das nuvens e a terra aproximava-se cada vez mais de mim. A velocidade aumentava e só pensei que me iria estatelar completamente num piso duro. Gritei.

"Pedro... acorda! Que se passa?". Quase dei um salto na cama. Levantei-me e sentei-me. Aparvalhado olhei em redor. Estava completamente suado e a meu lado Marco olhava para mim estupefacto. "Não se passa nada amor", descansei-o. Aproximei os meus lábios dos seus e proporcionei-lhe um demorado beijo. Deitá-mo-nos e abraçados adormecemos. Antes porém olhei pela janela. O céu estava limpo e lá longe, na imensidão do espaço, uma estrela brilhou mais, como se de um piscar de olhos se tratasse.

FIM

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Um dia...

... vou-te pedir em casamento.

Atreve-te a recusar!!!


domingo, 15 de setembro de 2013

A cadeira



Foi nesta cadeira que me sentei, à espera que voltasses de mais uma viagem ao outro lado do mundo. Penso seriamente quais serão as minhas primeiras palavras, depois de tanto tempo de ausência. Sei que a tua partida foi rápida e que trocámos palavras pouco simpáticas.

É nesta cadeira que recordo todos os bons momentos que juntos passámos: oa passeios na praia; as subidas à serra; os almoços, lanches e jantares nos locais mais interessantes; as noites, tantas vezes mal dormidas. Recordo os maus momentos, especialmente as discussões por coisa alguma, sem nexo, desprovidas de sentimento. Quanto tempo passámos sem nos falar, mesmo quando cruzámos os mesmos corredores, os mesmos espaços.

Esta cadeira serve de memória para todas as emoções que vivemos. As pernas são como os nossos alicerces e precisam de cuidados regulares. Os braços são apoio para todos os sentimentos vividos. As costas, qual espinha dorsal do nosso viver.

Não se trata de uma simples cadeira. Nela me encontrarás assim que entres em casa. Dela me levantarei e direi que te perdoo se também me perdoares. E selaremos esse momento de paz daquela maneira de que tanto gostamos.


quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Obrigado Francisco


Nem imaginas o quanto gosto da sonoridade árabe.


terça-feira, 10 de setembro de 2013

Loucura de uma tarde de verão

Já estava prometido há bastante tempo. Resolvi que esta noite seria adequada para uma nova experiência. Não posso esperar mais pois toda a tarde pensei em ti. Assim que deixar o emprego vou-te buscar. Sento-te junto a mim e faremos a viagem de regresso a casa.

Deixo-te descansar um pouco para que te prepares para o que virá a seguir. Coloco-te no banco e abro-te as pernas com cuidado. Aos poucos tiro-te as calças. Está quente ainda e nem sequer imaginas como o ambiente aquecerá ainda mais.

Toco o teu tronco e sinto os músculos do teu peito. Tiro a roupa e meus dedos sentem  a suavidade dessa superfície que me deixa louco. Esse lustro faz-me imaginar mil e uma loucuras contigo, o quão feliz me farás.

Preparo um banho com sais e outros sabores e acendo o lume. Esta noite terei frango cozido para o jantar.


quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Relato de um momento na praia

Milhões de pequenas partículas povoam o espaço em redor. Restos, resultados de muitos anos de desgaste das altas montanhas de rocha mais ou menos dura. Vento. Chuva. Quantos litros de água necessários para transporte e quantos mais que as depositam contra os penhascos que tentam resistir.

Servem de leito para um corpo cansado de mais um dia de labuta. Agarram-se às pernas, especialmente quando unidas ao precioso líquido que é fonte de vida. Pernas que secam lentamente ao ar ainda quente. Algumas gotas de suor escorregam pelas costas, sinal que o corpo precisa de refrescar.

Não me sinto tão só como possa parecer. A uns meros vinte metros, uma matriarca, olha as suas crias, que se aventuram água adentro.

Não há silêncio que valha o som que me envolve. A ondulação, talvez mais inconstante do que gostaria, provocam sensações várias, que vão desde o medo da imensidão à coragem para a aventura. E não, não me sinto tão só como possa parecer. A uns meros vinte metros, uma matriarca, olha as suas crias, que se aventuram água adentro.

O chão é duro, tal como atestam os glúteos já um pouco dormentes. Tento ajeitar a almofada pétrea onde me sento. Apetece seguir em frente para aliviar o desconforto. Porém, a caneta, o caderno e a vontade de escrever, fazem-me ficar mais um pouco. E de onde é que apareceram estes mosquitos que quase me comem as pernas?

Tenho por vezes a sensação que a praia me atrai mais do que sempre pensei. Talvez a costela lusitana e a velha ânsia de ir em busca de outras paragens. Talvez unicamente a solução que a vida encontrou para me mostrar que há mais além da rotina. Seja qual for a razão, agrada-me e cria vontade em querer continuar, em tentar encontrar mais respostas.

Aqui não há monotonia e os corpos nem sempre são iguais. Tento-os comparar e penso sempre que aquele que mais preenche as minhas medidas já cá está, apenas se apresenta algo escondido.

Olho um cão, sossegado e penso se o meu fiel companheiro terá semelhante comportamento quando decidir trazê-lo comigo. Vou ficar à espera que termine o verão para descobrir o resultado.

Vou voltar à água, tentar a fusão com as suas moléculas.

JÁ VOLTO

Faz-me bem a água fresca às articulações dos membros inferiores, ajuda a recuperar de velhas mazelas, resultado de esforços despropositados na prática desportiva. Gosto do sabor salgado, embora nem o devesse provar sequer. Sinto-me bem quando a impulsão molhada tenta derrubar este corpo. De quando em vez o nível sobe e... lá molho os calções outra vez.

Não sei nadar, confesso. Nem sequer tento boiar, não vá o mar levar-me a paragens indesejadas. Limito-me a ficar de molho, a saltitar, qual criança curiosa. E a linha do horizonte que me envolve e tenta puxar-me na sua direcção. Lembro se haverá melhor local para o descanso eterno. Os marinheiros dirão que não, enquanto as suas mulheres preferem os sete palmos de terra. Preferências de quem vive com o coração na garganta e que espera haver um sítio onde se possa depositar uma jarra cheia de flores.

(parágrafo que fica fora desta publicação)

Uma perna dormente faz-me cair para trás, deitando-me na toalha colorida, reactivando a circulação sanguínea. Ou apenas um aviso, de que está na hora de parar de escrever. Concordo com a ideia.

Fim de transmissão


Algures numa praia do oeste, quase deserta.


terça-feira, 3 de setembro de 2013

Eu sei...

... que estou em falta.

Hoje publico o resto.