Este blogue tem conteúdo adulto. Quem quiser continuar é risco próprio; quem não quiser ler as parvoíces que aqui estão patentes, só tem uma solução.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

desconcertos



Eis-me uma vez mais invadido pelos mesmos pensamentos que ao longo do passar do tempo povoam cada uma das células que compõem o meu cérebro. Como que congelado fico, ao passar revista a cada memória que possuo e que se resume invariavelmente ao cerne do problema que me impede de descansar. Se por um lado sou quem cria a desconcertante incerteza, de igual modo estará em mim a solução. Tantas vezes já invadido fui pela confiança de que um dia tudo será resolvido, entretanto sento-me e olho esse futuro longínquo, que parece estar apenas à distância de um braço mas que na verdade se afasta a uma desconcertante velocidade. E voltam os pensamentos...




sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Uma manhã de domingo e outras memórias

A vida atarefada leva-me muitas vezes a esquecer pessoas que me são queridas, acontecimentos que me fizeram feliz, lugares por onde passei e que já devia lá ter voltado.

Cresci e aqueles que outrora julguei serem presenças constantes na minha vida, porque já cá estavam quando vim a este mundo, aos poucos partem, deixando-me um vazio, talvez só preenchido pela recordação dos momentos vividos que nos fizeram trocar sentimentos, sorrisos, lições de vida.

Toca o telefone, é a minha mãe. O coração pula sempre que me liga fora do horário habitual. Fico a pensar nalguma desgraça. Algumas vezes são apenas conversas quase sem nexo, dúvidas tão simples como o que fazer se a televisão deixou de funcionar ou apenas o comando; outras, notícias derradeiras, o final da vida de algum familiar, por exemplo. Após esse momento é um misto de angústia com a de felicidade por saber que nada de grave se passa com aqueles que me são mais próximos.

Um domingo de manhã e vou a caminho da área metropolitana da capital. O velório de um familiar que sucumbiu perante um cancro, essa doença tão habitual nos dias que correm. Não fora a idade avançada do meu ente querido e a tristeza seria talvez maior.

Já não se vêem as célebres carpideiras, cujo choro e rezas em sintonia quebravam o silêncio angustiante daquela sala onde o preto era uma obrigatoriedade, salpicado unicamente por ramos de flores, tantas vezes a companhia do final de vida, mesmo quando a vida não tenha sido florida.

O preto nos dias de hoje já não cobre todos os que com a sua presença pretendem prestar as últimas homenagens. Já ninguém veste o fato de cerimónia, nem sequer as senhoras usam o lenço de renda pela cabeça. Camisolas de manga curta, vestidos de cores mórbidas mas vistosos e até calções e sapatilhas, acompanham o caixão até ao fim.

Volto para casa e nem sequer vou ao cemitério, pois não faz sentido acompanhar aquele caixão até ao forno onde irá arder e cujas cinzas serão depois entregues aos familiares, para que tomem a decisão sobre o que fazer com elas. Fui educado unicamente para acompanhar o corpo até à morada final, o buraco escavado no chão, coberto com sete palmos de terra.

As vidas de quem cá ficou seguem em frente. Os que partiram deixam as memórias.  Enquanto essas memórias forem recordadas ninguém morre realmente.