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quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Agricultura

Assumo aqui publicamente que decidi deixar a minha modéstia de parte e que me comprometi a escrever um dos melhores textos até hoje publicados, neste meu espaço, que no fundo considero também de todos os que por cá passam algum tempo das suas vidas. Corro o risco calculado, de receber um elogio que quem há muito me acompanha e que, por diversas vezes, me tem dito que sou digno de figurar numa das suas prateleiras, no meio de outros nomes, em forma de livro. Capitão JR, desta não me safo.

O que vou escrever será um misto de invenção, talvez mais real do que alguma vez presenciei, com memórias do meu tempo de criança, tempo em que eu julgava ser um rapaz normal e feliz.

Esta tarde de verão (nr: foi escrito na passada quinta-feira), com o céu coberto de nuvens mas com um calor certo, apenas atenuado pela aragem que já se faz sentir, trouxe-me à memória acontecimentos de outros tempos, relacionados com a agricultura, com o trabalho do campo. "Vai acima... vai abaixo... Vai acima... vai abaixo". Seria mais ou menos desta forma que o encarregado do pessoal dava o mote para o movimento das enxadas, que nas mãos calejadas dos cavadores, cumpriam o dever para o qual tinhas sido forjadas. Uma fila quase interminável de homens, lado a lado, já suados, davam uma nova forma à terra, quantas vezes ressequida pelo calor dos dias. Trabalhava-se de "sol a sol" só com paragem para as refeições, normalmente com muita "sustança", gordura, para dar força ou ainda para a necessária hidratação.

Lembro o meu avô materno, cuja morte foi a causa da diminuição da minha felicidade juvenil (só mais tarde retomada pelo nascimento dos meus sobrinhos), na sua fazenda, quantas vezes em conjunto com a minha avó, a cavar a terra, dando o ar às cepas que mais tarde seriam transformadas em vinho, por meio da sua fruta. Também cavava o chão onde semearia as alfaces, o feijão verde, os tomateiros e outras sementes que com a magia da natureza se transformavam em riquezas vegetais necessárias à subsistência.

O meu avô era dono de um motocultivador com reboque, que o auxiliava em algumas tarefas e que foram as suas pernas, o seu modo de deslocação para todo o lado. Longe ia o tempo da carroça puxada por um macho, do qual já não me lembro, sabendo apenas da sua existência através de uma velha fotografia ainda a preto e branco.

Em vinte anos muito mudou na lida do campo. É mais fácil, dizem alguns; dá mais trabalho, dizem outros, talvez aqueles que no fim das contas têm mais razão. Existem hoje mil e um apetrechos a auxiliar o agricultor. Um bom tractor tanto corta erva, como a junta, a carrega, a enfarda, a transporta para o celeiro, tudo com alfaias diferentes. Confesso que às vezes faço uma complexa ginástica mental para tentar perceber para que serve este ou aquele apetrecho.

O velho esmagador de uvas que havia no lagar do meu avô, ainda com funcionamento manual, foi uma das boas memórias que ficaram alojadas no arquivo interno que é o meu cérebro. Hoje a vindima até já se faz com uma máquina, afastando as mãos e tesouras dos cachos de uvas. Arrefece-se o mosto nas adegas para controlo da temperatura e melhoria da qualidade e os homens já não entram nos velhos depósitos de betão para procederem à lavagem necessária, usando agora cubas em inox, o último grito da tecnologia vitivinícola. Com sorte, alguns vinhos fazem estágio em barricas de madeira, para ganharem o gosto daquele natural material.

Trabalha-se de noite nos tempos que correm. Dizem os entendidos que é durante a noite que a pulveriza é mais eficaz, que o trabalho com o tempo mais fresco tem outro rendimento e que as frutas ganham mais qualidade.

Uma ameixieira do meu avô tinha o tamanho de uma casa e aquele tecto de folhas verdes e ameixas grandes amarelas eram a minha perdição. Apetecia subir pelo tronco e ficar a passear pelos grossos ramos, colhendo as melhores peças de fruta, aquelas que cresciam bem lá no alto, doces mas com aquele sabor um pouco amargo da casca, que resultava numa mistura agradável. Antes de eu saber que era nas Beiras que a cereja era rainha e senhora, já eu brincava com aqueles brincos, embora não fosse na altura um grande apreciador de tão bom fruto. E junto ao poço, uma parreira dava sombra e cachos de uvas doces, que chupava e ficava a apreciar todos os sabores.

O trabalho era duro e quantas vezes o resultado não era o esperado. Não haviam seguros e a conservação limitava-se às conservas e não estava disponível para todos os produtos. Consumia-se assim o que era da época e quando o tempo pregava partidas, a fome poderia ser convidada indesejada.

No pequeno quintal junto à casa, a par da garagem das alfaias agrícolas, da pocilga onde se criava o porco e até a rústica casa-de-banho (a vulgar cagadeira), laranjeiras faziam sombra às coelheiras e ao galinheiro, havendo ainda espaço para uma pequena horta, onde não faltavam alfaces, couves e tomate, pimentos e pepinos, ervas aromáticas. O poço comum a duas famílias e as casotas dos cães albergavam-se no telheiro, onde junto à telha vã, caixas de madeira serviam de ninhos aos pombos que ainda borrachos seriam ingrediente principal da canja, assados no forno ou tão bem arranjados na frigideira pelas maravilhosas mãos da minha avó.

Fazia-me um pouco de confusão o facto da minha casa não ter forno, mas podia contar com o pão que um familiar preparava à sexta-feira à noite e cuja massa deitada no forno no dia seguinte. O forno era na altura o mais importante "electrodoméstico" da casa. Não conheci padeira como a minha avó materna e a sua técnica de amassar só com uma mão, não seria a única razão para que o pão ficasse sempre bem, delicioso, ao ponto de comermos "pão e dentes", quentinho, sem precisar de qualquer outro ingrediente adicional, como manteiga, azeite ou açúcar. Aquela técnica de preparação da massa era a verdadeira prova da força da minha avó. Pudera a muitos homens, força idêntica não faltar.

Na eira malhavam-se os cereais, o feijão e as favas já secas, as ervilhas e os tremoços, estes depois cozidos e comidos pelos santos. Descamisava-se o milho, havendo a tradição do "milho rei", tendo quem o encontrasse a oportunidade de dar um beijo a todos os elementos solteiros, os do sexo contrário, criando-se afectos e muitas vezes laços para a vida.

Na época do trigo, a velha debulhadora funcionava dia e noite, movida pelo velho tractor, que pela sua idade deixava adivinhar quando deixaria de funcionar. Separava o trigo do joio e enfardava a palha, que viria a ser cama e comida de inverno para os animais. A debulhadora é uma máquina magnífica que ainda hoje me fascina, mesmo já sendo rara no campo, tão raro como o trigo já se torna por estas bandas. Os adultos afastavam-me daquela mistura de pó, palha, barulho e da confusão atarefada de quem alimentava aquele equipamento desengonçado, madeira que chiava constantemente, pedindo lubrificação.

O domingo era dia santo e pela manhã, o meu avô, tal como tantos outros, sentava-se à mesa e com um pincel e sabão, cobria a cara de espuma e cortava a barba, sob o meu olhar atento e o do bichano que junto a mim se mantinha. Depois uma viagem até à freguesia vizinha, a poucos quilómetros, cujo transporte era o habitual motocultivador. Andava devagar mas sabia bem aquela brisa na cara, que sentia ao ficar sempre levantado agarrado ao cavalete, a conversar com o condutor. Naquele centro urbano adquiriam-se alguns mantimentos e os produtos químicos necessários à lavoura. Colocava-se a conversa em dia: as mulheres junto à mercearia ou à porta da igreja, depois do serviço dominical; os homens na barbearia ou na taberna.

Recordo agora com a nostalgia normal esses pequenos momentos do meu tempo de criança, aumentados agora pela saudade de quem já partiu. Momentos que ficaram lá atrás e que já não serão revividos. Muito mais havia a contar, mas a noite já chegou e a luz pública já não chega para iluminar o que os meus olhos precisam de ver.


PS: Se houver algum erro estão à vontade para denunciar. Com a ânsia de publicar até esqueci de fazer a correcção necessária.

PS2: Já corrigi... penso eu de que...






3 comentários:

João Roque disse...

Sim, há alguns pequenos erros, que não considero ortográficos, mas sim de precipitação e não revisão.
São memórias vividas na primeira pessoa de um vasto programa de processos agrícolas, noutro tempos. Com algum apurado trabalho de correcção tens aí uma excelente matéria prima para um longo texto sobre esse tema...
E o teu segundo blog? que é feito dele?

Ribatejano disse...

O texto foi escrito duas vezes: no papel e depois no blogue. Amanhã com mais calma revejo a coisa.

O outro blogue está de férias, falta-me matéria para ele, é mais específico. (ponderei publicar este texto lá, mas é demasiado pessoal)

Francisco disse...

Tu quando queres, chegas lá e bem :)

Também adoro, ameixas, cerejas é divinal e uvas uma perdição ;)