Ramiro era louco por minhocas. Enquanto fosse dia, o jovem galo, andava constantemente de cabeça para baixo em busca daqueles insectos gelatinosos de tão bom sabor. Preferia as azuis, as mais raras e por isso mais valiosas.
Apesar de seu porte de respeito e das penas multicoloridas que brilhavam ao sol, as minhocas, distraídas por natureza, nunca davam pelo galito. Já era tarde demais quando o bico fazia pontaria à sua presa.
Os galos mais velhos, em especial o chefe do galinheiro que tanta inveja sentia pela beleza do novato e que sabia bem ser o seu sucessor natural, andavam sempre a avisá-lo para não andar sempre de cabeça para baixo. Não teria sempre a sorte da vigia do céu por parte dos colegas, já que era precisamente do céu que o maior perigo descia, uma águia real, que tinha fugido de um circo que em tempos passara na aldeia e que agora assombrava todo o vale.
Certo dia Ramiro, na sua azáfama tão habitual, decidiu que aquele dia seria diferente, pois o objectivo era caçar uma minhoca azul, daquelas que já não encontrava à bastante tempo. Tinha esgravatado todo o quintal e nada, optando por se aventurar além fronteira, invadindo um descampado vizinho, terreno novo, totalmente desconhecido.
Finalmente encontrou a maior e mais gordinha minhoca azul de sempre. Seria um verdadeiro banquete naquela tarde, um festim, a inveja de todos os que tinham ficado no galinheiro. Porém aquela minhoca não era um insecto qualquer. Era um espécime conhecedor de várias línguas e dominava bem o dialecto do seu caçador. E mais ágil também, escapando diversas vezes às investidas do bico agressor, um desafio tentador para Ramiro.
"Não me comas Ramiro." - disse-lhe deixando o bicho abismado, por ser conhecido daquele lado da cerca - "Nunca se sabe quando precisarás de mim."
"E que pode uma deliciosa minhoca azul fazer por mim?" - questionou o galito.
"Posso por exemplo avisar-te que neste preciso momento em que me tentas bicar, a águia que patrulha o céu já te faz pontaria e possivelmente já não te safas."
Apesar de desconfiado, lembrou-se dos conselhos dos galos velhos. Por instinto deu um pulo em frente, escapando às garras da ave de rapina por a distância correspondente ao tamanho de uma minhoca verde.
Ramiro safou-se à conta do aviso daquela minhoca azul. Agradeceu e partiu, deixando-a viver. A partir daquele dia passou a ser mais atento ao perigo vindo do céu, não perdendo porém o vício por minhocas, deixando de procurar minhocas azuis e fixando-se especialmente em minhocas verdes. Afinal as azuis já não habitavam no seu quintal e necessidade não havia de correr perigos noutras paragens.
Moral da história: Vale mais uma minhoca azul que um galo vistoso distraído.
Ou
Uma minhoca deliciosa não vale o ataque de um inimigo.
Tomaaaa...
18 de Dezembro de 2013 (8:30 - 9:00)
5 comentários:
Uma deliciosa fábula.
e esta hein???
fazes-me lembrar 'bichos' do Torga, embora não tão divertido. Se não leste, aconselho. existe por lá um Ramiro, sim, embora não este ;)
Pois é João, até eu me surpreendo.
Foi à espera que o meu médico me consultasse que eu a escrevi. lol
Margarida
Longe de mim querer comparar-me com o Torga. Tenho a obra completa e já li algumas histórias. Confesso que não é uma literatura fácil.
Francisco
Concordo contigo, se bem que mais algum floreado tinha causado outra impressão.
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