Era assim que começava uma publicidade de uma cadeia de distribuição nacional, quase há uma década atrás. Recuo uns trinta anos na minha curta vida. Nessa altura, na minha aldeia de origem, haviam duas mercearias, sendo uma delas explorada por alguém que me é querido.
Recordo que nessa altura a escolha era muito limitada, não havendo mais de duas ou três marcas de cada produto disponível. Uma única marca de leite (só gordo claro). Ainda vinha em garrafas de plástico que eram trocadas, eram vasilhame. Hoje seria impensável levar a garrafa debaixo do braço de novo para a loja.
O sabão azul e branco era vendido ao peso, após ser cortado de uma barra com quase 50 centímetros de comprimento. Não havia detergente para a máquina de lavar a roupa, que era um luxo inexistente em 99% das habitações. Havia detergente em pó para lavar à mão, em tanques de betão ou de pedra, como os que ainda existem no lavadouro público. Palha de aço para arear. Esfregão de arame para esfregar o chão de tacos de madeira, que seria lavados com REX (na verdade chamava-se XER, mas o povo achava o nome mais complicado). Depois havia a cera para proteger o soalho.
A marmelada era ainda vendida ao peso. A loja tinha-a em tabuleiros com cerca de 40 x 30 cm. A papa das crianças era presença constante nas prateleiras. Chupa-chupas e outros rebuçados, vendidos à unidade. Recordo os caramelos Vaquinha, cubos com cerca de 1,5 cm de aresta envoltos em prata com uma vaquinha impressas. Eram sem sombra de dúvida os meus favoritos. Ainda salivo só de imaginar aquele sabor tão delicioso.
Lembro a antiga marca de chocolate Regina e uns redondos envoltos em prata com diversos desenhos impressos, de vários temas, que todos gostávamos de coleccionar. Desembrulhavam-se com muito cuidado e tiravam-se os vincos com as unhas. Mais tarde seriam trocados os repetidos com os amigos.
Numa das mercearias estava instalado um posto público de telefone. Pagava-se ao impulso que aparecia num contador próprio. Era a dona da mercearia que percorria a aldeia a chamar as pessoas e a avisá-las que haviam chamadas.
Busco estas memórias sempre que vou a uma grande superfície e fico pasmado com as quantidades disponíveis e com as marcas. Quando os preços são idênticos, a escolha é mais difícil. Com menos marcas seria muito mais fácil escolher, o erro seria bem mais diminuto.
Há 30 anos atrás a mercearia era ponto de encontro dos vizinhos. Lá sabíamos as coscuvilhices, as notícias, datas de eventos importantes como as inscrições para a escola ou a vacinação dos cães. A mercearia era um centro social e o livro dos assentos (calotes) espelhavam as necessidades de uma população. A mercearia fiava, não deixando que os mais desfavorecidos se sentissem tão inferiorizados em relação aos restantes, já que todos pediam fiado. Era uma instituição de crédito sem juros.
As grandes superfícies actuais são bancos que só aceitam depósitos. Não há comunicação entre as pessoas pois somos todos estranhos. É claro que nos meios mais pequenos o supermercado ainda funciona como um centro social, pois os clientes vivem ainda quase todos na mesma área, algo que não acontece nos grandes centros urbanos (às vezes nem os vizinhos do prédio são conhecidos).
Dou comigo a escrever testamentos, por isso termino esta intervenção, esta descrição dos meus tempos de criança. Cresci, mudei de meio e aos poucos, vou perdendo laços que me foram tão queridos e que ajudaram a fazer de mim quem sou. Resta-me a memória e a esperança de continuar a dizer "Eu ainda sou do tempo...".
PS: Este texto foi escrito à noite. Qualquer erro é culpa do escurinho da noite. lol