O
jardim era mais maravilhoso do que tudo o que já vira anteriormente.
Árvores enormes formavam um claustro, rodeando um lago com água tão
clara que se viam os peixes e as pedras lá dentro. Quando nos
aproximámos daquele espelho um peixe veio à superfície, como que
a cumprimentar o homem de toga. Aves esvoaçavam pelo ar. Pássaros
de mil e uma cores, brilhantes. Sentámo-nos sobre uma pedra e
conversámos.
«Quando
escrevi o regulamento de acesso às portas do paraíso tudo era mais
fácil», explicou-me Deus. «Não havia confusão porque quase não
haviam pessoas. Com o passar dos séculos o caso mudou de figura.
Para começar os homens tornaram-se fúteis, interesseiros,
desordeiros. Não cumpriam as regras que lhes impunha». Olhei-o.
«Mas não é suposto o homem gozar do livre arbitrio?!». «Sim, era
essa a ideia inicial. Pelo menos pensava eu que era, mas mudou muito
o ser humano. Então tive que ir mudando as regras, tentando adaptar
o regulamento à realidade. Durante muitos séculos não foram
necessárias grandes mudanças mas ultimamente a coisa pia de outra
forma.». «Então e porque é que nós somos diferentes? Não
merecemos o teu amor de igual forma?», perguntei. Deus levantou-se,
espreguiçou-se e voltou a sentar-se. «Qualquer pai deve amar os
seus filhos, independentemente dos disparates que façam ou dos
caminhos que tomem. E eu não sou diferente. O problema é que até o
paraíso se tornou político.». Achei a expressão estranha. «Os
anjos e os arcanjos passaram a ter opiniões diferentes e os santos
vieram colocar ainda mais questões. Vê o caso de Pedro. Tem dias
que ninguém o consegue aturar. É a velhice, dizem alguns... mas eu
acho que é mesmo casmurro. Se calhar é defeito de ter sido
pescador.». Mandou uma gargalhada sonora que até um unicórnio se
assustou. «E não era dos melhores até eu o ter ajudado a pescar
com fartura.»
«Então
quer dizer que tens um regulamento mas não concordas com ele.
Parece-me um pouco estranho, uma vez que és o criador de tudo.».
Deus fitou-me. «Pois. A realidade é que aqui no céu apesar de eu
governar como todo poderoso não sou nenhum ditador. Já foi o tempo
em que eu tinha que decidir tudo. Um dia decidi que devia partilhar a
responsabilidade. Numa visita à terra, encontrei uma rapariga bonita
e perdi-me de amores por ela. Ora como era minha intensão partilhar
o governo do céu, qual a melhor solução além de encontrar um
herdeiro? E assim nasceu Jesus, o meu filho e herdeiro.»
Um comentário:
Dá para pensar :)
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