Perdia-se
de vista a mesa onde tomávamos chá. Deus no topo, que confessou ter
uma predilecção especial por pastéis de nata, tinha à sua frente
o que deveriam ser pelos meus cálculos, cerca de duas dúzias de tal
iguaria. Eu não tinha fome e fiquei-me pelo delicioso chá de uma
mistura de ervas, mantida em segredo, resultado de séculos de
experiências do arcanjo Gabriel. Continuei a conversa. «Mas Deus e
que faz Jesus afinal?». «Olha meu filho, actualmente substitui-me
nas minhas visitas a todos os mundos que criei. A minha idade tem-me
obrigado a ficar um pouco mais pelo paraíso. A minha idade e S.
Lucas com as suas manias de médico. Vê lá que agora inventou que
me devo tornar vegetariano.» Nova gargalhada entoou pelo espaço,
assustando desta vez um par de pombas brancas que estavam pousadas
num candeeiro de pé alto, junto a um velho telefone de manivela. «E
Jesus não é um filho obediente?», inquiri. «Olha, é como o
tempo: uns dias bons, outros maus. Mas também tem boas qualidades.
Foi ele o responsável pela informatização do paraíso. Organizou a
biblioteca e criou uma aplicação que pondera as boas acções e as
más, para avaliar a entrada no paraíso.». Sorri. «Ou seja, aquela
aplicação que S. Pedro tando desgosta.». «Efectivamente. Mas a
verdade é que o Pedro agora até tem mais tempo para fazer outras
coisas, como pintar, que é uma grande paixão.»
«Uma
coisa me deixa intrigado. Como é que o paraíso tem tanto espaço
para todos os que já morreram ao longo nos milénios?». «Ainda bem
que me fazes essa pergunta, meu filho. Na realidade o paraíso não é
interminável e por vezes há a necessidade de enviar alguns lá para
a cave, que é o nome carinhoso que aqui damos ao inferno. É claro
que a aplicação informática tem dado uma boa ajuda e aqui só para
nós tem dado bastante resultado. Uma outra solução é mandar de
quando em vez as almas de novo para a terra.». Olhei-o.
«Reencarnação? Existe?!». «Claro que existe meu rapaz e é uma
das minhas maiores criações. Assim vou-me livrando dos excedentes e
dou segundas oportunidades a quem mais merece. Algumas almas precisam
de viver várias vezes para que a entrada no paraíso não seja posta
em causa.». «Tal como a minha está a ser?», perguntei.
«Meu
filho, o teu caso é especial. Quando atribui o livre arbitrio ao
homem sempre pensei que ele não o usasse para usurpar a natureza.
Esqueci porém que a natureza por si só é mutante, ganhou vontade
própria. Então decidi não me preocupar muito com o assunto pois
acredito que o amor é a par da amizade, o mais importante sentimento
que existe.». «Então porque é que o meu caso é especial?».
«Acontece que com a criação das religiões na terra, os membros
criaram regras próprias. Umas formam-me atribuídas por tradição e
outras por subversão. Ora, muitos desses legisladores quando
chegaram cá acima, quase reviraram a casa. Para haver harmonia
debaixo do meu tecto lá tive que ceder em alguns assuntos. Daí ter
criado algumas adendas ao regulamento. Se por um lado os calei, por
outro fiz ver que quem tem a última palavra acabo por ser sempre
eu.»
4 comentários:
Deliciado ;)
Poeque são as comas? O texto não é teu?
Ainda bem Francisco.
João... perdi-me...
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